Cultura - Aspectos universais da escritura

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011


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O cemitério - um dos espaço s configuradores da corrosão - ganha importância, pois nele se digladiam a vida e a morte
O homem mantém certo "respeito pelos mortos" ao não pisar em covas rasas, o que também poderia inocentá-lo das sugestões anteriores. Mantem-se atento devido a claridade da lua que o poderia revelar. Temos mais uma referência à cor branca. A personagem também ajudou a construir um mausoléu para o desembargador Aquino, mostrando-lhe a importância mesmo depois de morto. A cor negra do túmulo também é corrosiva, implicando uma conotação malévola: (Texto V)

Percebe-se o caráter público do cemitério, como um bem da comunidade, não como lugar para banhar-se, como faz o homem, mas lugar de auxílio a algumas situações menos inusitadas. O homem toma banho completamente nu, mas apreensivo em ser pego. As mãos aqui também são mencionadas quando ele cobre, com elas, o sexo.

As alegorias

No terceiro parágrafo os dedos são novamente mencionados quando o homem experimenta a frieza da água. Demonstra religiosidade ao benzer-se antes de mergulhar no tanque, que ao derramar água dá viço à grama - isto seria uma metáfora de cura: esses banhos davam-lhe mais viço e bem-estar; ele também "hauria a noite." Haurir significa esgotar, extrair. Fazia tudo isso na noite, mostrando como aquele momento era prazeroso: (Texto VI)

Esse trecho comprova o que foi falado anteriormente sobre uma possível doença... No início do texto o fato de já ter no bolso uma caixa de fósforos indica hábito dos fumantes. Assim como se aprova o seu alcoolismo: (Texto VII)

Marcas cotidianas

O homem ainda é acometido pelo "stress do trabalho" após este, suas preocupações o acompanham. Outros pequenos diálogos nominais são observados, o primeiro deles é psicológico, recupera o que o patrão falou: "Hem, cabra safado?" e "Diabo!"

No quatro parágrafo, comprova-se o efeito terapêutico dos banhos, bem como a consciência de que os vícios podem matá-lo; quando não, ameaças de inimigos: (Texto VIII)

No parágrafo, beiral é novamente mencionado assim como a telha quando ele volta para casa. Depois segue-se um pequeno diálogo entre o homem e sua mulher, o primeiro sintagma oracional, onde o homem diz " Sobrou algum pedaço de carne, Raimunda?".

Ao falar o homem faz mexer-se novamente na rede o seu filho, desse vez só o mais velho. Assim percebe-se que o incômodo da doença é menor, mas ele ainda está doente. A mulher lhe responde: "Não. Tem ainda um resto de feijão na panela." Percebe-se a pouca comida.

Do epílogo

No último parágrafo, o homem pega a panela e uma velha lata de manteiga com farinha que estava no canto do fogão por onde passavam baratas. As baratas são aqui, assim como os gatos e os cachorros, pode até mesmo dizer o bacurau que aprece no segundo parágrafo, agentes corrosivos vivos que dão à narrativa o caráter de destruição, no sentido de transformar a ordem em desordem, já que baratas são encontradas em lugares decadentes. A passagem "A carteira de cigarros estava meio úmida no bolso da camisa." Comprova nossa suspeita anterior. O homem depois do jantar aproveita mais a noite na soleira da porta de casa, recebendo os ventos da rua no peito e afasta mais uma vez as lembranças do trabalho. Fuma o cigarro fazendo isso um ciclo vicioso. Ainda no último parágrafo aparece outro agente corrosivo, o tempo, representado pelo relógio da estrada de ferro. Esse tempo consome os personagens e é um inimigo de destruição do "protagonista", que sofre com essas doenças consumistas dos humanos.

O que se pode perceber ainda é uma ironia. O homem tem suas doenças e procura sua cura em um cemitério. Há também ambiguidade já que o narrador faz o narratário de narrador ao deixá-lo delinear o fim e ligar os índices. O conto termina e há omissão de traços que podem ser preenchidos pelos leitores, muito familiar aos finais abertos de Machado de Assis.

A corrosão

A corrosão, fenômeno desgastante que atua sobre a faceta concreta das coisas e dos seres na obra de Moreira Campos, é o principal componente da desordem. De acordo com o dicionário significa destruição. A ideia central da destruição seria corroer, desgastar seres e coisas. Estudaremos vários agentes corrosivos, agentes da desordem, como os elementos deformadores dos personagens que não atua no personagem central, referente ao conto, e sim nos personagens secundários que acaba atacando a paisagem, os objetos do ambiente em que o personagem vive. Os recursos utilizados para deformar os personagens seria apelar para o grotesco: mais enfaticamente no asco ou nojo, mãos grandes, cabeludas... Outro agente corrosivo seria a morte, clímax da maioria dos contos. Em O Banho, representada pela doença do personagem principal, causad pela bebida e pelo cigarro - um possível câncer, que o personagem já sabe que possui ou supõe; ele, que sofre dessa doença, mas não é conhecida pelos familiares. A morte também está presente no derrotismo e no fracasso do personagem em não fazer nada para mudar a vida miserável.

Escolha lexical

Os signos verbais presentes são a cor branca, utilizada nas descrições da lua quando o personagem está banhando-se no tanque. O tempo é devastador, o relógio da estrada velha exprime a decadência do personagem presente na última linha do texto. A depressão é vivida pelo personagem, imagina-se que seja por isso que ele não busque mudar sua vida. Imagina-se que o homem era ambicioso, mas vítima da sociedade tornou-se um fracassado. O fracasso também se relaciona a corrosão, igualmente a depressão. É estabelecido pelo autor que a desordem tem maior destaque na escritura. Os agentes vivos da desordem são pequenos seres que aparecem no conto como coadjuvantes são eles as baratas, os gatos e os cachorros, aparecem em situações como parceiros da condição precária de alguns personagens. Aparecem de forma devastadora, afetando tudo de concreto que se aproxima.

TRECHOS

Texto V

De dia os tanques tinham muita vida: as mulheres reuniam-se em volta deles para aguação dos canteiros, os ajudantes de pedreiro vinham apanhar água nas latas.

Texto VI

Assou-se com os dois dedos, atirando longe o catarro.

Texto VII

Lembrou-se de comprar mais meia garrafa de cachaça no bar do Mundico.

Texto VIII

... a pancada enérgica nas costas, no peito, mais uma vez olhando para o alto. ...tornou a assoar-se...; Ajeitou no cós a bainha da faca", o homem andava armado possivelmente para se proteger; os brônquios desentupidos.

A estrutura ficcional de Moreira Campos

Moreira Campos traz uma forma de denunciar a realidade brasileira mantendo em sua obra a presença de tipos humanos marginalizados. Há uma ligação entre os fatos econômicos e sociais contemporâneos e passados. Com isso diminui a distância entre a realidade e a ficção.

Seu protagonista - no caso do conto "O Banho", motivo de nossa investigação - não possui nome, como característica do universalismo e impressionismo; tal recurso é uma forma de tocar o leitor ou fazer com que este se identifique com o personagem, reconhecendo-se na trama.

Moreira Campos utiliza de aspectos impressionistas, neorrealistas, sempre conservando a estrutura linear para suas narrativas. Existe a tensão entre a construção e a destruição em sua escritura, tensão essa que tende e ser amenizada através de recursos como a ironia, o humor, a ambiguidade e através do tratamento que é dado a morte que agarra seus personagens ou simplesmente os circundam.

Há uma tendência para o uso de elementos descritivos ao lado de elementos narrativos - o que atrai com perspicácia o leitor pela sugestão e o apuro dos detalhes; a eliminação de comentários ou de interpretações acerca na narrativa, uma vez que são raros os exercícios de metalinguagem no nível do discurso narrativo; o não gastar de palavras do escritor, isto é, a escolha meditada do vocabulário, implicando um extremo cuidado lexical, já que ele se concentra, ao avançar o tempo da narrativa, no que lhe é fundamental, sem que descuide da paisagem, do espaço como elemento maior.
Postada:Gomes Silveira
Fonte:Diário do Nordeste

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