Cultura - A linguagem e a sede das águas

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

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Detalhe da capa do romance "Quando Lisboa Tremeu", de Domingos Amaral, num processo de montagem, tendo como elemento-chave o projeto de criação da capa desse romance - obra de Rafael Nobre
Resgatar o passado para outra visão acerca da História tem sido um caminho contumaz dos pós-modernos

Otempo-chave desse mormance concentra-se no dia Primeiro de Novembro de 1785, quando, às nove e meia da manhã, um maremoto despedaçou-se por sobre a cidade de Lisboa, cosendo, à sua passagem, retalhos de destruição e de pavor.

Recursos expressivos

Tendo esse acontecimento histórico como o fulcro da trama, o narrador, em primeira pessoa, (o ponto de vista, no entanto, não lhe propicia uma onisciência absoluta, sendo, muitas vezes, observador - da mesma forma, como, comumente, cede às personagens, a condução do enredo, através do emprego do discurso indireto-livre - recurso por que a voz do narrador (o fogo) funde-se com o discurso (o pensamento da personagem, sendo de construção evidentemente ambígua: "Quando o estado de choque a abandonou, lembrou-se da tentativa de enforcamento, abruptamente interrompida pelo ruir do teto da cela. O que teria acontecido?" E o discurso direto quebra a tensão.

Fios de um novelo

O livro está dividido em quatro partes - Terra, Água, Fogo, e Ar ; e todo o interesse dramática, em vez de dirigir-se às personagens históricas - como o Rei José e sua Corte; ou próprio Sebastião José de Carvalho e Melo (mais tarde o Marquês de Pombal), instala todas elas num espaço mais secundário ou irrelevante, indo, assim, em direção a pessoas comuns, colhidas ao cotidiano, isto é, os que, de uma forma ou de outra, não haviam sido convidados ao banquete mercantilista: o (forçosamente) Pirata, um português Santamaria - a quem caberá a condução narrativa de grande parte da trama; uma freira, a irmã Margarida, condenada à fogueira pela Inquisição; o árabe Muhammed,; um capitão inglês; e um menino que, em meio aos escombros, procura, determinado, a irmã gêmea e o seu cão - até então perdidos.

Blocos autônomos

Dentre os diversos recursos expressivos de que se serve o narrador para a costura da teia de seu discurso, um dos nos chamam logo a atenção reside no fato de que, os capítulos, a rigor, funcionam como blocos autônomos, conservando, em si, a própria unidade; entanto, ligam-se aos demais, ao longo do livro, por conta de elementos recorrentes: tempo, espaço, personagens etc; bem como há inúmeros interesses, atitudes de comportamento, valores, que, enfim, aproximam uma personagem de outra.

Traços da linguagem

As notas de hibridismo, implicando o contato entre diversas línguas são dignas de registro; assim, as personagens tornam-se mais vivas, passam a agir com mais naturalidade: "Traz então the eggs. E very mexidos"; "Entonces, sou yo lo primero". Desse modo, a partir de elementos linguísticos, o narrador aponta um espaço entrecortado por culturas as mais diversas, da mesma forma como deixa no leitor algumas interrogações acerca dos verdadeiros interesses que movem o cotidiano de personagens tão distantes e ainda assim tão próximas umas das outras - o mundo como retalhos de paraíso e de quedas.

Expressão estética

Inserido nas inúmeras tendências da ficção pós-moderna, esse romance de Domingos Amaral abriga uma gama de ingredientes que já o colocam na prateleira dos grandes discursos narrativos, quer pela elaboração da fábula em si, quer pela habilidade com tece os fios de uma prosa, densa, mas tocada também pelo poético.

Uma marca poderia muito bem sintetizar, incisivamente, esse romance: a temperança. Não há nele excessos, tampouco se pense em algo que lhe poder ser acrescentado ou mesmo retirado. É miolo e capa sob medidas.

Livro

Quando Lisboa Tremeu
Domingos Amaral

Casa da Palavra
2011
480 páginas
R$ 48,00
Postada:Gomes Silveira
Fonte:Diário do Nordeste

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